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8 de outubro de 2007

Sem Cobrança

Isto é que dá serviço público com estabilidade.

Folha de São Paulo, 08/10/2007
Folha de São Paulo

Sem cobrança

Fernando Canzian
O primeiro emprego que tive na vida foi no setor público. Um amigo da
universidade deu a dica. A biblioteca da Faculdade de História da
Universidade de São Paulo (ele acabara de entrar na de Geografia) estava
procurando gente para recatalogar todo o acervo de livros. Uns 17 mil
volumes.

Havia algumas vantagens. Teria um salário razoável, acesso ilimitado a todos
aqueles livros e, de quebra, conheceria as garotas bonitas da História. Mas
o que eu não esperava nesse primeiro emprego era a ausência quase absoluta
de cobranças, de quem quer que seja.

Na época, a biblioteca devia ter cerca de dez funcionários, todos mais
velhos e há vários anos trabalhando no local. Muitos com estabilidade. Usar
o verbo trabalhar é até um pouco exagerado porque ninguém fazia muita coisa.
Éramos muitos para pouco serviço (ou cobrança), o que dava uma margem enorme
para o corpo mole.

Recém-contratado, me esforcei no início. Durante várias semanas, andava
atarefado com pilhas de livros em um carrinho pelos corredores da
biblioteca. Anotava detalhes em fichas que depois eram datilografadas,
xerocadas e arrumadas em ordem dentro de um gaveteiro. Mas, aos poucos, fui
construindo a firme convicção de que trabalhava demais.

Meus colegas de biblioteca faziam muito menos do que eu. E a hora do
cafezinho? Era um despropósito total o tempo que aqueles funcionários
consumiam para subir a rampa interna do prédio até se instalarem no segundo
andar para tomar café e fumar incontáveis cigarros. Como ainda não gostava
de café e não fumava, eu também tratava de enganar o Estado lendo os livros
que era pago para catalogar.

A experiência durou pouco e logo tomei outro rumo.

Na semana passada, o presidente Lula afirmou que "choque de gestão" é
contratar mais funcionários públicos. Não é tentar enxugar ou cobrar
eficiência de um Estado que já suga em impostos 36% do PIB para oferecer os
serviços que conhecemos.

É evidente que a estabilidade do emprego público (mãe de muitos acomodados)
é necessária para garantir independência às sucessivas trocas de comando
político. Mas é absurdo que, com raríssimas exceções, não existam controles,
estatísticas e cobranças sistemáticas desse funcionalismo pago pela
sociedade.
Sequer prêmios aos mais eficientes.

Como diz Yoshiaki Nakano, economista especialista nessa área, quando o
presidente Lula decide contratar um funcionário, ele está aumentando os
gastos do governo para os próximos 40 anos ou mais. "Pagando salário duas a
três vezes maior do que é pago no setor privado", observa Nakano, e exigindo
uma produtividade que é certamente menor.

Muitos acham que impor a lógica do setor privado capitalista para a área
pública é um desvirtuamento, um "nivelamento por baixo" que pode comprometer
a qualidade e a independência dessas funções. Na minha breve experiência
pessoal, não tenho dúvidas de que hoje colocaria quase todos os meus
ex-colegas da USP no olho da rua. Inclusive eu.

No mínimo, faria com que suassem um pouco mais pelo dinheiro dos meus
impostos.

Fernando Canzian, 40, é repórter especial da Folha. Foi secretário de
Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova
York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006.Escreve às segundas-feiras.

E-mail: fcanzian@folhasp.com.br

Um comentário:

Guto disse...

Claudio,
estou reformulando o Blog do Guto, então por enquanto estarei postando novidades no endereço bloguedoguto.blogspot.com

Valeu!

Grande abraço

Guto